Tartarugas marinhas, as sentinelas da poluição dos mares

O alerta vem da África do Sul: há mais tartarugas recolhidas a expelir plástico, um indicador da degradação da saúde dos nossos oceanos.

Nas últimas semanas, 47 das 124 tartarugas marinhas bebés recolhidas pela Two Oceans Aquarium Education Foundation na Cidade do Cabo, na África do Sul, evacuaram plástico. “É um sinal preocupante para a saúde dos nossos oceanos”, alerta Talitha Noble, a responsável pela conservação, que dirige a recolha, reabilitação e libertação das tartarugas. As jovens residentes – 121 tartarugas cabeçudas e 3 tartarugas de couro – expeliram 218 peças de plástico que tinham confundido com comida.

“A maior quantidade, 22 pedaços, foi detectada na tartaruga no 19”, precisa Talitha Noble. “E ainda estamos no início da época, por isso este número está longe de ser definitivo porque como elas têm um sistema digestivo lento, muitas vezes demora muito tempo até que o plástico saia... Infelizmente, também encontramos frequentemente plástico nas autópsias das que morrem. Temos cerca de dez tartarugas jovens que ainda não autopsiámos, e é muito provável que também se encontre plástico em muitas delas.”

As tartarugas nascem na Costa Norte de Kwazulu-Natal [província costeira do Leste do país vizinho] e entram na corrente das Agulhas, que desce ao longo da costa. “São pequenas e a corrente é quente e rápida, por isso deixam-se levar. Quando a corrente atinge a Costa Sul, abranda; as tartarugas jovens são ejectadas e encontram-se nas nossas águas, que são mais frias. Sofrem então um choque térmico”, diz Talitha Noble, que acrescenta:“Além disso, nessa altura, já estão frequentemente feridas, desidratadas e comeram o que flutuava com elas. É aqui que entra o plástico.”

E prossegue: “Há uma enorme quantidade de microplásticos a flutuar com elas e isso é um grande problema. Normalmente, nesta altura das suas vidas, elas deveriam encontrar um leito flutuante de algas ou um tronco de árvore e comeriam as coisas à sua volta... Mas acontece que o que encontram é plástico.”

As tempestades de Inverno e os ventos do mar empurram as jovens tartarugas para a praia “e é aí que entra a nossa rede de salvamento”.

Aumento dramático

As tartarugas são “oportunistas” em matéria de alimentação e, embora “comam praticamente quase tudo”, as amostras e análises das suas fezes mostram que as bebés têm preferência por pedaços de plástico branco e azul, que acabam por confundir com moscas azuis e medusas.

Estes microplásticos têm geralmente de um a três ou quatro milímetros de comprimento. “O intestino destes animais tem dois milímetros [de diâmetro]. Portanto, estes são pedaços de plástico muito grandes”, revela a especialista, precisando que “alguns são redondos, outros moles, outros duros”.

No ano passado, 75% das tartarugas bebés recolhidas pelo aquário excretaram mais de 500 pedaços de plástico. Há seis anos que Talitha Noble trabalha na reabilitação de tartarugas, e ela e os colegas constataram que o número de tartarugas excretoras de plástico tem aumentado nos últimos dois ou três anos. “E é um aumento dramático”, diz.

A ingestão de plástico é prejudicial para as tartarugas jovens de várias maneiras. “No melhor dos casos, a tartaruga consome-o, sente-se um pouco empanturrada, expulsa-o e come algo que é bom para ela. Mas, na maioria das vezes, porque o pedaço é grande e duro, causa uma perfuração do intestino e da cloaca [cavidade terminal do intestino], o que acaba por provocar outros problemas. E o plástico pode causar um bloqueio na garganta, no estômago, no intestino e dar ao animal uma falsa sensação de saciedade”, complementa.

“Há uma coisa que ainda não estudámos e que seria muito interessante: os componentes químicos do plástico passam para o corpo?”

Pacientes diferentes

Bob, a tartaruga-verde e um dos residentes mais famosos do aquário, poderá ser lançada no próximo ano, conta Talitha Noble. Foi trazida para o aquário em Novembro de 2014 após ter sido encontrada encalhada nas rochas da reserva natural De Hoop [na província do Cabo Ocidental].

Tinha feridas na carapaça que se tinham infectado e provocado meningite. Ficou cega e sofreu danos cerebrais. Três meses após a sua chegada, Bob defecou um monte de plástico: pedaços de balão com o cordel ainda preso, fita-adesiva e sacos pretos que tinha confundido com comida quando estava no oceano. “Estamos a discutir como libertá-la e o que será melhor para ela”, diz Talitha Noble. “Temos alguém que fez uma corrida incrível para angariar dinheiro para pagar o anel que vai levar. A sua reabilitação e o seu fortalecimento [com suplementos para melhorar o bem-estar dos animais em cativeiro] progrediram muito bem durante o último ano e está a comportar-se mais como uma tartaruga, é um pouco mais selvagem, está a explorar um pouco mais. Estamos realmente confiantes relativamente à sua libertação.”

As tartarugas jovens permanecem no aquário durante uma média de seis a nove meses – a um custo de cerca de oito mil rands [cerca de 28 mil meticais] cada. Mas todos os pacientes são diferentes, explica Talitha. “Temos uma pequena tartaruga que está connosco há mais de dois anos com uma série de problemas, e tartarugas como o Bob, que estão connosco há vários anos. O que é excitante em cada tartaruga é quando fazemos progressos, quando avançamos para a libertação, é muito motivador para nós.”

As pessoas estão desligadas do papel vital dos oceanos e não estão conscientes de que “o que fazemos em terra tem um efeito sobre os oceanos”, acrescenta. “Não compreendemos que o lixo em terra não é apenas lixo em terra, vai acabar no oceano. Os nossos plásticos de utilização única, mesmo que tentemos utilizá-los de forma responsável, acabarão no oceano. O que é surpreendente nas tartarugas é que elas são indicadores da saúde dos mares.”

Estes pequenos animais estão ,“infelizmente, a enviar essa mensagem em seu detrimento”. “Mas precisamos de os escutar e de aprender com eles. Precisamos de reconhecer que estamos ligados ao mar e que o nosso comportamento tem um efeito sobre ele e sobre tudo o que nele habita – e precisamos de o mudar”.

Excerto de artigo publicado no Mail & Guardian